Você tem ou conhece alguém que tenha (ou tenha tido no passado) um pai ou mãe "de criação"? Tenho certeza que conhece, pois é uma situação extremamente comum.
Só que antigamente esse tipo de vínculo não era reconhecido pelo Direito. A criança podia até ser adotada por seus pais de criação, porém, dada a natureza do instituto da adoção, ela implica sempre no rompimento formal e irreversível com a família biológica. Ou você mantém seus pais naturais na sua Certidão de Nascimento, ou substitui pelos pais adotivos. E nem sempre é isso que se almeja. Às vezes o filho tem um bom relacionamento com seus pais de sangue, e ainda assim tem um vínculo de afeto inegável com uma outra pessoa, que também lhe faz as vezes de pai - ou mãe.
A filiação socioafetiva veio para possibilitar que esse reconhecimento oficial ocorra, de modo que o filho possa acrescentar seu ascendente afetivo, sem que para isso precise romper com sua família biológica. Cada vez mais o nosso ordenamento jurídico admite o afeto como elemento vinculante nos relacionamentos, de tal sorte que, muitas vezes, este é considerado ainda mais importante que os vínculos de sangue. "Fulano é como um pai para mim", "mãe é quem cria", expressões como essas são recorrentes em nossa cultura, e são verdadeiras.
Contudo, para que esse reconhecimento possa ocorrer, existem algumas regras.
- O pai ou mãe socioafetivo deve ser, pelo menos, 16 anos mais velho que o filho a ser reconhecido. Não faz qualquer sentido eu querer reconhecer como filha uma pessoa da minha própria idade. Filhos são necessariamente mais jovens que nós. Assim, para que um adolescente de 14 anos seja reconhecido como filho, é necessário que o pai socioafetivo tenha, ao menos, 30 anos.
- Pelas mesmas razões do item 1, irmãos e ascendentes não podem efetuar esse reconhecimento. Desta forma, não é possível que um avô reconheça seu neto como filho, ou que um irmão reconheça sua irmã.
Caso se pretenda incluir apenas um ascendente socioafetivo (seja pai ou mãe) e o filho tenha pelo menos 12 doze anos, a solicitação de reconhecimento pode ser feita diretamente no Cartório de Registro Civil. Para tanto, o pai ou mãe socioafetivo deve se apresentar, juntamente com o filho a ser reconhecido, e devem apresentar os seguintes documentos:
- Documento oficial de identificação com foto do pai ou mãe socioafetivo, do filho a ser reconhecido e, se for o caso, dos pais biológicos;
- Certidão de Nascimento original do filho a ser reconhecido;
- Certidão de Nascimento ou Casamento do pai socioafetivo, para que se possa incluir corretamente os ascendentes no registro do filho reconhecido (opcional);
- Comprovação do vínculo socioafetivo (obrigatório);
- Termo de reconhecimento disponibilizado pelo próprio Cartório, que deverá ser preenchido e assinado pelo pai socioafetivo e pelo filho a ser reconhecido. Caso este seja menor de 18 anos, é necessária também a anuência dos pais já constantes do registro da criança ou adolescente.
A comprovação do vínculo afetivo pode ser efetuada por todos os meios de prova admitidos em Direito. É necessário ter em mente, porém, quando se fala em comprovação jurídica de um vínculo afetivo, que não se trata de comprovar sentimentos, e sim de apresentar manifestações objetivas desse afeto. Desta forma, o vínculo poderá ser comprovado, por exemplo, por documentos de escola, porventura assinados (e/ou pagos) pelo pai socioafetivo, em que figure como responsável, ou por inscrição do filho em plano de saúde do pai sócioafetivo, ou documento em que figure como dependente junto a órgão da previdência, ou, ainda, documentos que comprovem que pai e filho residiam no mesmo endereço, ou títulos associativos de clubes, em que figure como dependente, ou fotos de datas comemorativas relevantes em que estejam juntos, ou, ainda, declarações de testemunhas, com firma reconhecida. O Direito não tem como aferir sentimentos e, portanto, presume-se que o afeto se traduz objetivamente pelo cuidado que se confere ao filho em questão, ainda que ele não seja de sangue.
Caso o filho a ser reconhecido seja menor de 12 anos, ou caso se deseje incluir mais de um ascendente, o reconhecimento deverá ser feito judicialmente, mediante ação própria a ser ajuizada na Vara de Família competente.
Finalmente, o reconhecimento poderá ser feito após a morte, mediante testamento, ou pelo ingresso de ação de reconhecimento pós-morte.
Não existe limite legal para o número de pais ou mães que se pode acrescentar. Contudo, é importante lembrar que a filiação socioafetiva tem todos os mesmos efeitos de uma filiação biológica e, desta forma, implica em direitos e em obrigações. Assim, se de um lado eu terei direito à herança de todos os pais e mães socioafetivos que eu tiver, de outro lado, também terei o dever de amparar todos eles na velhice, inclusive prestando alimentos, se for necessário. Se ficar evidente que um filho está buscando o reconhecimento apenas para gozar das vantagens que lhe serão conferidas, inclusive, este pode ter dito reconhecimento negado.
E vai custar esse reconhecimento?
Caso o reconhecimento seja feito em cartório de registro civil, o valor a ser pago será o de uma averbação comum na certidão de nascimento, acrescido do valor de emissão de uma segunda via do mesmo documento. Caso haja indícios de fraude, má-fé ou demais vícios de vontade e consentimento, o cartório não procederá ao reconhecimento, devendo os requerentes recorrer à via judicial.
Neste último caso, do reconhecimento mediante ação judicial, incidirão custas processuais e honorários de advogado, que vão variar de acordo com o estado em que a pessoa mora e o profissional contratado para a execução do serviço.
Espero ter ajudado! Lembrando que, embora o reconhecimento extrajudicial não exija necessariamente a participação de advogado, é recomendável, para que se tome conhecimento de todos os efeitos jurídicos que esse ato produzirá, para si e para terceiros.